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Encerrei o post anterior com o poema “O tempo no jardim”, de Cecília Meireles. Volto a ele agora para um pequeno estudo que visa ampliar a visão daqueles que já apreciaram esses versos, de maneira que o texto passe a ter para essas pessoas um significado ainda mais profundo e especial.
Observe que os longos versos do poema indicam a também longa travessia no tempo, capaz de trans-formar o ser que caminha e fazê-lo diferente do que era no início da trajetória:
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Os travessões utilizados no primeiro verso servem justamente para destacar o tempo decorrido entre um momento e outro: o passado – quando o eu-lírico costumava andar pelos jardins e se contemplar em seus lagos – e o presente, quando ele volta ao espaço anterior. Devido ao destaque, os vinte anos passados entre um momento e outro pesam como representantes de toda uma vida vivida longe dos jardins e dos lagos, o que teria levado o eu-lírico e seus companheiros do passado a se tornarem diferentes do que então eram. Essa diferença evidencia-se no segundo verso pelo emprego do verbo ser no pretérito imperfeito (“éramos”) a sugerir que deixaram de ser os mesmos aqueles que “então” se contemplavam nos lagos.
Os outros verbos utilizados nos dois primeiros versos (andaram, contemplaram), também situam no passado o passeio pelos jardins e lagos, indicando ainda que o sujeito poético não se encontrava só, o que os pronomes “nosso” e “aqueles” vêm confirmar. Apesar da referência aos “nossos muitos passos”, até aí não se sabe, porém, se o eu-lírico se fazia acompanhar de apenas uma ou de mais pessoas. Os “muitos passos” podem perfeitamente se referir, como acreditamos que se referem, aos muitos passeios realizados nos mesmos jardins e, não, necessariamente, ao número de pessoas presentes. No entanto, os dois versos seguintes irão sugerir, especialmente pelo uso da expressão “todos nós”, que o eu-lírico se fazia acompanhar de mais de uma pessoa na ocasião dessas visitas aos jardins: “Se alguém de nós avistasse o que seríamos com o tempo,/ todos nós choraríamos, de mútua pena e susto imenso”.
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eu-lírico afirma viver o que não é mais possível ser vivido, é pela memória que o vive, a reeditar imagens, personagens e ações.
Essa vivência pela memória, entretanto, é bastante dolorida por envolver a perda do que se foi e a comparação com aquilo que com o tempo se chegou a ser. Por essa razão, o choro evitado no passado pelo desconhecimento do que o futuro traria não tem mais como ser represado: “com doce amor choramos quem fomos nesse tempo antigo”.
Embora separado dos companheiros do passado, o eu-lírico atribui também a eles, nesse último verso, o mesmo “doce amor” que ele próprio sente pela lembrança de quem foram. Ao chamar de “antigo” o tempo dessas lembranças, uma vez mais o situa distante de si, muito embora, contraditoriamente, seja dentro de si que o traga.
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Já disse que a expressão “todos nós”, utilizada no quarto verso, sugere que eram mais de um os companheiros do eu-lírico no passado. Parece claro, de fato, que essas memórias não envolvem um sentimento amoroso por alguém em especial, mas um “doce amor” pelas pessoas que eles eram, tanto o eu-lírico quanto seus amigos, nesse “tempo no jardim”. Talvez seja possível considerar, ainda, uma vez que o poema trata da problemática universal da passagem do tempo, que a expressão “todos nós” ultrapassa os relacionamentos pessoais do eu-lírico a fim de fixar um drama humano. Nesse sentido, o leitor estaria incluído nesse “todos nós” e, com ele, toda a humanidade.
Intocados, ainda, pelos vinte anos que iriam passar, modificando-os, o eu-lírico e aqueles que o rodeavam pareciam viver totalmente alheios aos efeitos nocivos dessa passagem, razão pela qual se assustariam e chorariam caso fosse possível, ainda no “tempo antigo”, avistarem-se no futuro.
No instante da enunciação, no “agora” do poema, a imagem do jardim surge como a visão de um paraíso perdido. Muito embora o eu-lírico volte ao lugar dos passeios de outrora, ele não é o mesmo de antes, aquele que podia se contemplar nos lagos. Ele se transformou com o fluxo das horas, muito embora o espaço tenha durado no tempo e chegado inalterado ao presente.
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Trazendo em si a impossibilidade de andar pelos jardins e se contemplar nos lagos, o eu-lírico encontra-se simultaneamente próximo e distante do cenário que descreve. Próximo, por ter voltado a ele depois de vinte anos, mas distante, por ter se transformado em alguém diferente do ser ideal para habitar o jardim e, ainda, por estar separado dos companheiros do passado.
Em algumas mitologias os lagos aparecem como divindades ou moradas dos deuses. Nesse sentido, contemplar-se nos lagos seria aproximar-se do divino ou abrir-se, sem receio, devido à própria pureza e virtude, à perscrutação dos deuses. Uma vez que é a água dos
lagos que se converte em espelho no ato de contemplação, é possível fazer ainda uma breve relação com o mito de Narciso, que implicaria numa implícita valorização da beleza da juventude, bem como um repúdio às transformações físicas provocadas pela passagem do tempo, motivo pelo qual apenas no passado fosse possível a contemplação.
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Respostas de 20
BOM DIA, COLEGA JUSSARA!
QUE AULA DE PORTUGUÊS, MENINA! AMEEEEEI! 🙂
LINDAS IMAGENS TAMBÉM.
DÊ UMA PASSADINHA EM "GAM DOLLS (2)". ESTOU POSTANDO DESDE ONTEM, MINHAS NOVAS RESTAURAÇÕES. AMANHÃ, SERÁ A ÚLTIMA, DE UMA SAGA DE 3. NÃO PERCA!
AH… EU CURTI TUA PÁGINA NO FACEBOOK. CURTA A MINHA TAMBÉM. PROCURE LÁ POR "GAM NA COZINHA". SERÁ UMA ALEGRIA TÊ-LA EM MEU CANTINHO, OK?
TENHA UMA LINDA QUARTA.
ABRAÇÃO "PROCÊ"! 🙂
Que bom que gostou, Gam! Breve apareço por lá…. abraço!
Gostei imenso de ler a tua excelente dissertação. Quem sabe, sabe!…:-)
E as imagens são lindas, também.
xx
Obrigada, Laura. Saudade de você!
Oi, Ju,
Achei a sua análise completa e perfeita, parabéns! O tema do tempo e dos efeitos que ele causa nas vidas
humanas sempre me interessou. Mais do que isso, sempre refleti sobre os sofrimentos pelos quais todos
passamos. Religiosos e filósofos já afirmaram que viver é sofrer, e nós mesmos já testemunhamos grandes
sofrimentos, não é verdade? Há várias religiões que acreditam que as pessoas escolhem todas as circunstâncias
de suas vidas, antes de nascer, inclusive os sofrimentos pelos quais passarão. Acho isso interessante porque
as pessoas que passam por grandes sofrimentos, depois costumam dizer exatamente isso: "Se alguém de nós
avistasse o que seríamos com o tempo,/ todos nós choraríamos, de mútua pena e susto imenso", rsrs.
Um beijo
Não sabia sobre essas religiões que dizem que as pessoas escolhem os sofrimentos que terão… eu não escolheria nenhum! rs
Obrigada pelo sua leitura sempre atenta, Marly! Abraço!
Já havia lido o poema da Cecília no post anterior, mas reli-o com redobrado prazer, não só por ele – que é uma lindeza! – mas também pelos comentários que lhe faz; é incrível como você consegue como que quase radiografar com palavras o poema em seus mínimos (ou máximos) detalhes! Você é do ramo, eu sei, mas digo isto porque li recentemente um livro de crítica literária (o primeiro que leio) e fiquei meio emperrado com o linguajar acadêmico e citações eruditas, embora não tenha desgostado. Os seus comentários são sensíveis e inteligíveis a qualquer nível de preparo intelectual. Estou por encomendar o seu livro e já sei, de antemão, que vou adorar. Ainda em relação ao poema da Cecília, gostei tanto que gostaria de fazer algo com ele, talvez roubá-lo do seu e postá-lo no meu blog, com link para o Minas de mim. Posso? Abraços.
Claro, João Antônio! fique à vontade!
Obrigada pela sua leitura atenta e seu comentário. Abraço!
Um estudo completo, perfeito, não poderia ser melhor, e as imagens? Cada uma mais bonita que a outra; ótima seleção! Amo esse poema da Cecília, é belíssimo, muito inspirado!
♥Beijinhos, uma abençoada noite, e um lindo amanhecer!♥
Obrigada, Sandra. Muito feliz por receber sua visita e comentário. Abraço!
Jussara este seu trabalho é muito bonito sobre este tão falado "eu-lírico",
que aqui fica muito bem entendível na analise desta bela obra, assim
vem como uma verdadeira aula de literatura.
Parabéns pela generosa partilha.
Lembrei de uma passagem de algo que escrevi:
…o menino ficava contando os vagões de minério,
mas não sabia eles levavam uma parte de seu Pico do Cauê…
Gostei.
Um abração mineiro d flor.
Obrigada, Antônio! Alegra-me que tenha apreciado a leitura. Abraço!
Amiga Jussara,
ler o que você escreve é sempre um prazer, mas neste post você se superou. Delícia! Belíssimas e acertadas imagens! Parabéns.
Obrigada, Irene! Saudade!
Oi, Jussara! Me fez voltar no tempo, ao jardim da tia Tila…Eram dálias, lírios, rosas e bocas de leão, juntamente com palmas e cravos…Indescritível cheiro na memória de infância!
Poema entendido e sentido, como doce lembrança, obrigada!
Beijos, Ana
Obrigada, Ana, por trazer suas memórias e juntá-las ao meu texto! Grande abraço!
Ver assim a poesia não é para qualquer um.
É preciso muito talento para o fazer.
Parabéns pela excelente análise que fez do poema, tornando-o mais claro aos nossos olhos.
Um bom domingo e uma boa semana.
Beijo, querida amiga Jussara.
PS: vim mais atrás, porque já tinha comentado o teu último post e este ainda não…
Obrigada, Nilson, pela leitura atenta e comentário. Abraço!
Parabéns pela análise!… Linda, linda…
Beijos =)
Obrigada, Nadine, que bom que gostou! Abraço!