CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA

CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA

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Por mais que as revistas e os manifestos, que surgiram após a Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, procurassem estabelecer diretrizes para a arte a partir da compreensão do significado desse evento, seus idealizadores ainda vislumbravam sem clareza os caminhos que se abririam a partir da realização da “Semana”. Só agora, premiados pelo tempo – e lá se vão 100 anos! – podemos ter uma visão mais ampla do que representou para as artes em geral e, particularmente, para a literatura, as propostas dos primeiros modernistas.

Na Europa, desde a primeira década do século XX, as correntes de vanguarda propunham ruptura com os padrões artísticos passados que, no período entre séculos, a chamada belle époque, ainda prevaleciam, embora mesclados ao pensamento filosófico que passava a se nutrir das ideias inovadoras de Nietzsche, Freud e Bergson, por exemplo. Refletiam essas correntes a crise existencial provocada pela destruição da ideia de Deus sem a qual a vida, reduzida à simples matéria, convertia-se num profundo vazio. O papel do artista nesse momento, portanto, seria o de reestruturar o real. A partir do Futurismo, em 1909, esses movimentos de vanguarda foram acontecendo em períodos espaçados de tempo e em diferentes países, conferindo ao europeu atento, entre o eclodir de uma e outra vanguarda, o fôlego necessário para assimilar suas propostas.

No Brasil, entretanto, durante a realização da Semana de Arte Moderna, as ideias preconizadas pelo pensamento vanguardista foram atiradas de uma vez na face da sociedade paulistana, sem os intervalos de espaço e tempo com que os europeus contaram, o que explica o alvoroço e escândalo que cercaram esse evento.

 

 

Comissão Organizadora da Semana de Arte Moderna,

incluindo Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade.

 

 

Obviamente, as ideias apresentadas naquele fevereiro de 100 anos atrás espalharam-se como rastilho de pólvora por todo o país, o que imprimiu expressões múltiplas ao movimento modernista, mas a “Semana”, em si, foi um movimento eminentemente urbano, estreitamente relacionado ao processo de industrialização e crescimento da cidade de São Paulo, na década de 1920, assim como à chegada maciça de imigrantes estrangeiros, o que rapidamente transformou a urbe na maior e mais importante cidade do país e um dos importantes centros cosmopolitas do mundo.

Nutridos e direcionados, em sua arte, pelas propostas das correntes vanguardistas europeias, o curioso, em relação aos artistas modernistas desse primeiro momento, em São Paulo, é que eles se propuseram a combater o modelo importado das artes acadêmicas utilizando novas fórmulas, igualmente importadas. Essas novas regras, todavia – é preciso que se diga – incidiram sobretudo na técnica da linguagem, o que permitiu, relativamente ao conteúdo, que o artista imprimisse uma expressão individual, livre e criativa, ao fruto do seu trabalho. Assim é que, paralelas ao caráter anárquico e destruidor, ao rompimento com a métrica, com a rima, com a sintaxe e a pontuação (pressupostos das vanguardas europeias), surgem novas características, como o resgate das raízes culturais brasileiras, o nacionalismo crítico e ufanista, a valorização do cotidiano, a ironia, o sarcasmo, a irreverência e o compromisso com a independência cultural do país.

A Semana de Arte Moderna aconteceu num momento em que o mundo assistia ao fim de uma grande guerra e a mudança de sociedade rural para sociedade urbana industrializada correspondia à renovação que acontecia nas estruturas mentais e políticas da sociedade. Foi sem dúvida alguma um marco na história de São Paulo e um divisor de águas na cultura brasileira.

É interessante observar que, tal qual sucedeu na Europa, entre os principais nomes envolvidos nesse momento de ruptura que foi a “Semana”, nenhum nome feminino tenha se destacado na literatura. Na música, sim, houve a pianista Guiomar Novaes, assim como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral nas artes plásticas. Pagu (apelido de Patrícia Galvão) só aparece mais tarde (1929), por volta do “movimento antropofágico” proposto pelo radicalismo de Oswald de Andrade. Nesse momento, ela se destaca como ardorosa defensora da renovação em todas as áreas – literatura, artes plásticas, imprensa, política – assim como da luta feminista pela liberação da mulher. Contudo, Pagu foi muito mais uma rebelde da vida e das artes do que propriamente uma artista ou escritora.

 

 

“Abaporu”, de Anita Malfatti

 

 

A grande voz feminina do Modernismo brasileiro foi, sem dúvida, a de Cecília Meireles. Ela surge bem mais tarde, entretanto, e a crítica, confundida pelo descompasso de sua obra em relação ao novo, à ruptura e a desordem propostas pelo primeiro momento do Modernismo, demorou ainda mais a perceber que o sentido transcendente de sua poesia respondia à mesma crise existencial que gerara as correntes de vanguarda e a própria Semana de Arte Moderna.

Hoje, querendo ou não, somos tributários desses artistas do passado que traçaram caminhos que ainda hoje palmilhamos. Ao admitirmos que um poema exista sem métrica, rima ou pontuação, é inevitável lembrar desse momento que de nós dista 100 anos. O momento em que, sem que soubéssemos, já que ainda não havíamos nascido, começava o resto das nossas vidas.

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Beijo&Carinho,

 

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Crédito da imagem em destaque, aqui.

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