CONCEITO DE ARTE

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Pediram-me que escrevesse sobre a arte. Acredito que para isso eu não tenha como evitar os conceitos clássicos e filosóficos, muito embora pretenda passar por eles com a brevidade que me foi sugerida fim de ressaltar o pensamento de dois poetas que a esse respeito se manifestaram.

A arte – em todas as suas formas – surge da necessidade humana de imprimir um cunho pessoal ao mundo, uma espécie de visão particular, de forma a torná-lo mais sensível e inteligível: mais fácil de compreender. A arte reside, assim, na possibilidade de, através de uma imensa variedade de materiais – o som, a cor, o movimento, a linha (reta ou curva), a palavra (no caso da literatura), etc. – recontar o mundo de uma perspectiva extremamente pessoal e, ao mesmo tempo, genericamente humana, pois se é verdade que nem todo mundo é artista, não é menos verdadeiro que todos nós já experimentamos diante de uma obra de arte – uma tela de Renoir, um noturno de Chopin ou um soneto de Camões, por exemplo – a sensação de termos encontrado naquela peça a perfeição que buscávamos.

Santo Agostinho diz que por termos sido feitos por Deus e para Ele, “nosso coração estará inquieto até que repouse em Deus”. Até que isso aconteça, acredito, a arte funciona como uma espécie de lenitivo para essa inquietação, para a dor de existir de certo modo amputados de Deus, falhos, incompletos, inconclusos.

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Desse modo, a arte é uma ilusão tão ou mais eficaz que o amor romântico ou que o Prozac, pois os efeitos da paixão e da droga se esvaem, ao passo que a arte permanece ofertada ao homem de qualquer lugar, seja em que tempo for, como forma de driblar uma questão fundamental do ser. Por isso no poema “Reinvenção” (e aqui chego aos poetas), Cecília Meireles propõe reinventar a vida. Creio que vale a pena transcrevê-lo:

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REINVENÇÃO 

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A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas…
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo… – mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço…
Só – no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só – na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada. 

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Observe que a poetisa chama a atenção para a incompletude da vida ao utilizar símbolos de efemeridade relativos a tudo aquilo que nos rodeia, como águas, folhas, bolhas, piscinas de ilusionismo, além de se referir explicitamente à mentira (“tudo mentira”) e ao nada (“mais nada”). Assim, ao reiterar a palavra vida de forma a indicar a plenitude buscada, Cecília acaba por defender a reinvenção, ou seja, a arte, como única forma de possibilitar a vida: “Porque a vida, a vida, a vida,/ a vida só é possível/ reinventada”.

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.Via

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Não foi por outra razão que Ferreira Gullar, maior poeta brasileiro vivo* (que também é artista plástico), disse que “a arte existe porque a vida não basta”. É essa sua frase, bem como o poema da Cecília, que eu gostaria que você lembrasse quando se falar em arte.

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Maior poeta brasileiro vivo*. Atualização: este texto foi publicado pela primeira vez em 09 de dezembro de 2013, com o nome “O que é arte?”. Ferreira Gullar – nascido José Ribamar Ferreira, em São Luís do Maranhão, aos 10 de setembro de 1930 – faleceu no Rio de Janeiro a 04 de dezembro de 2016, aos 86 anos.

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Beijo&Carinho,

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Uma resposta

  1. Perfeita a sua definição de arte, parabéns!
    As citações e imagens também estão primorosas!
    Bom gosto e eficiência são os termos que definem esta publicação!

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