O HÓSPEDE

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Eram muitos quilômetros a serem percorridos, a pé ou em lombo de mula, entre um povoado e outro. Às vezes a noite surpreendia o caminheiro ainda longe do seu destino, no meio do nada. Uma fumacinha distante indicava uma casa perdida em meio aqueles ermos, a claridade do fogo a reluzir todo o pequeno casebre que fulgurava como palácio aos olhos do caminhante cansado. Não era incomum, em razão de toda essa distância e despovoamento, que essas casinhas solitárias recebessem, vez ou outra, um hóspede desconhecido e inesperado trazido pela necessidade, coberto de pó e suor.
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O que narro aqui aconteceu há muitos anos, provavelmente no início do século passado, creio que no interior de Minas, embora possa ter sido em Mato Grosso ou Goiás, lugares que, quando jovem, meu avô percorreu. O sucedido, relatado ao meu avô por alguém que jurava conhecer uma das personagens envolvidas, foi recontado ao longo dos anos na família e nem sei bem se na primeira vez em que ouvi essa história foi meu pai ou meu avô o narrador. Lembro-me com clareza de ouvi-la ser contada à mesa de fórmica branca, na cozinha de minha avó, a família à roda, as risadas ao fim. Meu avô era um versado contador de “causos” e parecia colecioná-los num invisível embornal de onde frequentemente retirava algum.
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Pois foi numa fazendinha afastada de tudo que aportou o caminheiro desta história, a pedir pouso. Ofereceram um catre num canto, um travesseiro de paina, o que sobrara do caldo servido ao jantar. Lá pelas tantas, a família recolhida, acorda o sujeito com a bexiga a exigir alívio. Ao levantar-se e caminhar em direção à porta, um rangido da cama ou da própria porta a se abrir chama a atenção do dono da casa que acha por bem dar sinais de que está alerta e diz lá de seu quarto:
– Já se levanta, “seu” fulano?
Com vergonha de revelar a verdadeira razão de se ter levantado, o hóspede improvisa:
– Vim dar uma olhada na noite.
 – Ah!  – faz o dono da casa – Como ela está?
– Escura – diz o caminheiroE cheirando a queijo.
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(Imagem em destaque)
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Na falta de luz, às apalpadelas, o coitado se enganara de porta e abrira a de um armário em que a dona da casa colocava os queijos ainda enformados para escorrerem o excesso de soro.
A história acabava aí, com as risadas, mas eu sempre imaginei as providências da dona da casa, na manhã seguinte, a fim de limpar o armário e descartar os queijos. Acho que dentro da cabecinha da menina que então eu era já morava a dona de casa que me tornei.
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Beijo&Carinho,
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 Convite:
Lembrei-me de escrever sobre esse caso depois de ler, há alguns dias, uma deliciosa crônica de João Antônio Ventura em que ele conta o que lhe aconteceu numa viagem recente. Noitinha, a porta do banheiro aberta, ele entra com a mesma intenção do hóspede da minha história, só que…
… Vale a pena você ler a crônica toda. Uma delícia o texto do João Antônio, bem escrito, divertido e surpreendente: aqui!

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Respostas de 39

  1. Jussara, o seu post me lembrou uma situação que passei.
    Trabalhava em um município da Bahia-Taperóa e lá era coordenadora da Saúde. Em umas das visitas na zona rural o carro quebrou e lembro de ficar eu e os colegas presos na mata..para fugir dos animais silvestres saímos andando até que encontramos uma casa no meio do nada para nos dar abrigo..lembro que chorei de alívio e do medo que estava..quando a prefeitura percebeu que o carro não tinha retornado foi em busca de nós, até que nos encontraram..e agradeço aquele casal que nos deu abrigo até chegar o socorro.
    Abraços.Sandra

  2. Olá Jussara,

    adorei este outro causo do seu avô, como amei o quadro da Lourdes, tão singelo e muito bem elaborado! Este post está uma
    delícia e você fez um flash back interessante, você sabe contar!
    Darei sim uma lida na crônica que sugere.
    Tenha um bom finzinho de 4a.feira flor.

    Beijão,
    Lu

  3. Blog encantador,gostei do que vi e li,e desde já lhe dou os parabéns, também agradeço por partilhar o seu saber, se desejar visitar o Peregrino E Servo, ficarei também radiante e se desejar seguir faça-o de maneira que possa encontrar o seu blog, porque irei seguir também o seu blog.
    Deixo os meus cumprimentos, e muita paz.
    Sou António Batalha.

  4. Histórias de avô são sempre uma delicia de serem relembradas não é mesmo? Lembro-me que o meu, todo dia após o almoço tirava uma soneca e levava-me como companhia. E eu, que nunca estava interessada no tal descanso, queria mesmo era saber de suas histórias. Não sei quantas vezes o fiz contar a saga de sua família, desde que tiveram que abandonar a Espanha vindo buscar refúgio na Argentina e só depois de muitos anos no Brasil. Era tão gostoso, e sinto uma saudade imensa daqueles momentos. Hoje quando vejo meus netos, nem me imagino contando alguma aventura dos tempos passados, e não porque não as tenha. É que as crianças de hoje já não se interessam por essas coisas, e os adultos também não tem muito tempo. Foi o que me disseram minha filhas quando soube que meu neto de apenas um ano e meio já tem um ipad, e o outro de dois também. Para elas é mais fácil carregar, ou dar o tal ipad, que ali concentra uma variedade de joguinhos e outras distrações, a levar uma bolsa cheia de brinquedos – e que certamente já se tornaram sem graça diante tanta tecnologia. Ou seja, tudo está muito diferente!
    Beijo querida, e vou já dar uma olhadinha no blog que você sugeriu.
    Denise – dojeitode.blogspot

  5. Parabéns pelo blog.
    Jesus te ama.
    "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
    Ele estava no princípio com Deus.
    Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
    Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
    E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
    João 1:1-5"

  6. Seu avô deve ter sido um grande contador de histórias, talento que você herdou.
    Uma história por mais simples que seja tem de ser sempre bem contada e esse "causo" termina de uma forma que tem piada para quem ouve,; para a dona da casa não deve ter tido tanta piada assim.
    Também gostei muito da ilustração com esses quadros tão telúricos.
    xx

  7. Oi Jussara,
    Adorei o causo.
    Fiquei imaginando também o dia seguinte.
    Minha avó durante muito tempo morou em fazenda, e não faltavam causos para contar.
    DA época dos escravos.Minha avó faleceu em 2001 com 98 anos, contou muita coisa 🙂

    Também vou separando tudo em uma pastinha, são muitas coisas e esquecer depois é muito fácil!
    bjs

  8. Esses "causos" são sempre gostosos de se ler ou de se ouvir. Pena que se estragaram os queijos, os bons queijos de Minas! Obrigado pela referência que fez à minha crônica; já teve gente por lá espiando e graças a isso já acompanho um ótimo blog, o da Denise Kirsch, que também acompanha o meu. Obrigado mais uma vez. Abraços.

  9. kkkkkkkkkkkkkk… nem quero imaginar o que aconteceu e o dia seguinte! rs
    Que delícia ouvir "causos", com a família reunida.
    Senti falta de conversar mais com meus avôs, pois a barreira do idioma atrapalhou bastante. Eles não falavam bem o português, e eu muito menos o japonês. Uma pena!
    Bjns
    🙂

  10. Jussara ,
    O conto é interessante e a maneira como o narra , muito boa .
    Ouvir " causos " dos avós é dádiva e saber contá-los exige sensibilidade .
    Obrigada .
    Agradeço , também , a indicação de leitura .
    Beijos e alegre final de semana

  11. Oi Jussara
    esse texto lembrou os contos de Guimarães Rosa!
    bem escrito, bem suave, e divertido também
    lá se foram os queijos!
    ja visitei o Votonico amanhã vou comentar
    um lindo fim de semana pra ti bjo Zizi

  12. Ah Jussara!
    Que alma poética tens… até para recontar um causo!
    Amei… Minas realmente está em ti, consigo vê-la por teus escritos [ acredito que para um mineiro e escritor esse seja um elogio ]…
    Desculpa minha demora em visitar-te é que os ponteiros do relógios são ingratos comigo (!).
    Desejo um lindo fim de semana e uma nova semana iluminada!
    Bjkas
    Mila

  13. Caramba… imagino a cara de quem fez a descoberta!
    Essas histórias familiares são muito bacanas e escolheu imagens lindas para ilustrar o post!
    Foi muito engraçado imaginar toda a cena "Escura e cheirando a queijo" kkkkkkk
    Vou lá no blogue vizinho!
    Beijus,

  14. Excelente! Adoro um "causo", rsrs…Contava meu tio, que chegou à casa um conhecido, já em horário adiantado…Conversa vai e vem, foi ficando e convidado a "pousar" no local…Então deram-lhe a bacia com água para lavar os pés e ele, que não tinha jantado, saiu com essa: Será que não faz mal, lavar os pés em jejum? kkkkk
    Beijinhos carinhosos, Ana

  15. Boa noite amiga Jussara!!!
    Menina, já ri por demais… e me lembrei de algo que me ocorreu…vou ter que fazer um texto e postar em breve…venho aqui te falar assim que escrevê-lo. Não tão bem quanto você, mas vou ter que registrar. (risos)
    Tenha juntamente com seus familiares um domingo muito abençoado!!!
    Bjokas…da Bia!!!

  16. Olá Jussara 🙂
    Vi seu blog na sinopse semanal da Silvana e vim conhecer.
    Textos lindos e de muito bom gosto.
    Muito boa essa história narrada, me lembra alguns 'causos' que meu avó (também de Minas) contava.
    O dia seguinte deve ter dado um trabalhão pra dona da casa!
    Abraços o/

  17. Oi Jussara:
    Certa vez meu sobrinho cometeu um "equívoco" semelhante.
    Levantou-se no meio da noite, abriu a gaveta do armário e fez xixi dentro dela, rsrsrsr.
    Olha vim te avisar que divulguei seu blog na minha sinopse semanal.
    Caso tenha curiosidade em conferir, deixo aqui o link e aproveito pra te convidar a participar (você pode inclusive linkar esse post por lá):

    http://meusdevaneiosescritos.blogspot.com.br/2014/02/sinopse-semanal-n-12.html

    Bjs.:
    Sil

  18. Oi Jussara, adorei a historinha…também fiquei imaginando a dona da casa na manhã seguinte…rsrsrs
    Que lindas pinturas! Amei!
    Fico feliz que tenha gostado do post sobre o filme, ele é realmente um filme muito rico em linguagem simbólica.
    Bjs querida e ótima semana para você também

    1. Exatamente, Cliff. Quando meu avô contava, eu – criança – ficava a imaginar a vergonha que o coitado deve ter sentido quando amanheceu. E o trabalho da dona da casa… Falta-me aqui um emoji daquele com a mão batendo na testa kkkkkkk

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