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Quando minha avó morreu, meu pai estava com ela. Ele fechou-lhe os olhos enquanto os seus ficavam cheios de lágrimas, o que os deixou momentaneamente mais verdes.
Antes de deixá-la, sabendo que viriam preparar seu corpo para o sepultamento, tirou-lhe os brincos e colocou-os automaticamente no bolso, o coração traspassado, na garganta um nó.
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Minha avó Ayde era uma mulher séria, que odiava sair de casa com a mesma intensidade com que amava lavar louças. Era cristã, mas não frequentava igrejas, nem fazia visitas; vestia-se modestamente e não ambicionava mais que ver-se cercada dos objetos costumeiros e das conhecidas paredes. Aos domingos esperava-nos sempre com alguma gelatina, doce de cidra ou um delicioso doce de abóbora, em bolinhas, que nunca mais provei igual. Era muito branca e tinha os olhos azuis. Quando dei por mim a existir o tempo já branqueara também os seus cabelos e a avistava sempre ao redor da pia, aquele eterno brinquinho na orelha como uma pequena medalha onde uma diminuta pérola se alojara.
Segundo a lenda familiar ela ganhara os brincos do pai, aos quinze anos. Até onde sei nunca mais os tirou; não me lembro dela com outro, embora me tenham dito existir mais um que às vezes substituía o primeiro. Não sei. Minhas memórias desse tempo são bastante nebulosas e só agora – a que distância! – percebo mais claramente detalhes que na época eram apreendidos no contexto: o sorriso meio tímido dela, que meu pai herdou, o inabalável orgulho de sua linhagem – do sobrenome Nogueira, recebido de antepassados portugueses; do avô evangelista que viajava a cavalo pelo interior de Minas – e, paradoxalmente, o orgulho de sua própria humildade e virtude.
Quando ela morreu eu tinha dezesseis anos e não sabia que herdara o seu jeito sisudo e sua inapetência pelo que a vida oferece para além das paredes de casa. Com o passar dos anos fui me cercando de objetos amados a ponto de não precisar mais sair a não ser para compras de supermercado, serviços bancários e um ou outro apelo irrecusável da vida em sociedade. As viagens continuam a me seduzir – nisso puxei ao meu avô – mas devem ser breves, pois a saudade de casa chega a doer.
Os brincos de minha avó ficaram por dois anos esquecidos no bolso de um paletó escuro onde meu pai guardava suas economias. Ninguém mais pensou neles. Então completei dezoito anos e meu pai, acredito, deve ter considerado essa uma idade significativa, pois se lembrou dos brincos e me presenteou com eles.
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Em abril faz trinta anos que os brincos estão comigo; no final de maio os próprios brincos completam noventa e três! Embora eu prefira prata ao ouro e ame bijuterias artesanais, reconheço o valor de uma joia muito mais pela sua perenidade que pelo valor em si. Ou estará seu valor justamente no fato de carregar uma história que pode ser ofertada à geração seguinte?.
Ao colocar os brincos, ao espelho, é inevitável lembrar o sorriso tímido de minha avó. Investigo meu rosto e procuro sinais de semelhança com os dois ramos familiares: impossível dizer com quem me pareço mais; sou mesmo esta mistura de gente que se amou no passado.
Quando eu já não for, os frutos do meu amor herdarão os brincos e sua história e enquanto ela for repetida eu continuarei a existir.
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Beijo&Carinho,
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Respostas de 37
Guria …
que história maravilhosa ….
fiquei emocionada!!!
muito obrigada por compartilhar conosco!!!
Bjsss … boa semanaaa!!!
Tá Arteira!
Querida Jussara! Me vi remexendo meus baús da memória, com essa linda história dos brincos…Não tenho apego às jóias, mas muito às lembranças e uma em especial: Aos doze ganhei um Diário de Recordações, assinado por alguns familiares e amiguinhos que se perdeu…Quarenta e quatro anos depois, veio de volta do passado às minhas mãos, trazendo doces recados de meus pais falecidos…Foi o mais lindo presente que recebi e guardo com carinho…
Bjs,Ana
Jussara que linda história, que linda homenagem!! hoje mesmo eu estava falando com um amigo como gosto de objetos que nós possamos usar no dia a dia e que ao tocá-los ou vê-los no espelho nos fazem lembrar alguém ou algum lugar… Destes sentimentos é que nossa história é construída!! Grande abraço!!!
http://www.arquitrecos.com
Ai Jussaraaa,eu li o post e fiquei emocionada.A minha avó paterna deve ter sido a pessoa que mais amei neste mundo.Ela era evangélica e não usava estas coisas,e ao morrer eu tinha apenas 9 anos.Me lembro de tudo que houve no dia que Deus a levou e do seu sorriso leve como se estivesse dormindo e em paz no velório.Hoje eu ficaria muuuito feliz,se tivesse ao menos..um par de bricos que foi dela.Obrigado pela visita,fiquei muito feliz com sua presença…beijo…Lili.
Ahhh,esqueci de perguntar…em que dia de abril vc comemora o niver?…beijoca…Lili.
Jussara querida, emocionei! Sou super sentimental. Linda história, não sou apegada ao material, mas também não deixo de cuidar do que tenho… o maior joia que carrego é valor dos sentimentos, é isso que essa joia carrega, muitos sentimentos, histórias, que passará em gerações. Adorei!
Jussara querida, você faz aniversário nesse no mês de Abril?
Beijinhos no coração!
Lorena Viana
pequena-prendiz.blogspot.com
Olá Jussara, tudo bem?
Quando eu estava lendo a sua história fiquei emocionada, pois comigo aconteceu quase igual, o que muda é que minha avó deixou um brinco que era dela para minha mãe, depois minha mãe emprestou ele para mim, quando eu me casei em 1980, e assim ficou com ela até pouco tempo atrás quando ela então resolveu dar de presente para minha filha mais velha. E até hoje ele permanece em família. Amei relembrar a minha história através da sua, pois isso não tem preço, fica na nossa memória para sempre.
BJS!!!!!
Bom dia, Jussara, que texto lindo o que acabei de ler….lembrei-me imediatamente da minha bisavó materna,por quem tenho um grande afeto, carinho e respeito. Apeesar de não estar mais entre nós,guardo seu semblante em meus olhos e creio, jamais esquecerei….Estas palavras levaram-me à emoção, não contive as lágrimas que rolaram em minha face…
Sou uma pessoa nostálgica por natureza e amo relembrar o passado( convém frisar aqui que, apenas as lembranças boas). Tenho objetos antigos guardados, os quais outras pessoas da minha família não consideram valiosos, porém , para mim, têm um valor todo especial. São objetos que têm uma história e isso é importante para mim.
Obrigada por compartilhar este pedacinho da tua vida conosco e que , com certeza, nos fez muito bem.
Beijos no coração, Flor.
:))
Muito, muito, muito lindo!!! A história e os brincos!
Também prefiro a prata ao ouro, mas se tivesse brincos com uma história como essa, faria questão de usar. 🙂
Muito lindo!
oi Ju, que lembrança mais linda, essa é realmente uma Jóia, pelo seu significado!
E eu amei o modelo, a delicadeza, um brinco proprio pra usar no dia a dia, discreto e elegante.
Sua avó ficaria orgulhosa vendo vc usando!!!
ah, quero também agradecer o carinho no comentário de 3 anos do blog, obrigada amiga, bjuuuu
Oi Ju, fiquei emocionada com sua história, tb dou muito valor para qualquer coisa que tenha uma história de vida, algo que vc olhe e automaticamente lembre de uma pessoa, um sentimento…
Bjs e fique com Deus
Que bela história!!! Fiquei emocionada também!!!
Bacione
Cimara
Olá, Jussara! Vim agradecer e retribuir a sua visita lá no blog. Estou torcendo por todas vocês e se pudesse daria um mimo a cada uma que deixa um carinho por lá.
Linda esta história e com certeza o valor deste brinco está na história que carrega, além de ser muito bonito! As avós sempre nos deixam boas lembranças, boas recordações e espero que esta história perdure por muitos e muitos anos dentro da sua família.
Beijinho, Eunice Maria.
http://efacilserfelizartesanais.blogspot.com/
efacilserfeliz.artesanais@gmail.com
Me deu um aperto no peito Jussara querida!
São as lembranças, as emoções que afloram…
Tenho saudades das minhas duas avós…muita saudades.
Uma se foi recentemente, a outra a mais de 13 anos.
A sua avó era bem parecida na descrição com a minha avó materna…
Tenho recordações das duas e assim e sei que meus filhos também herdarão as minhas lembranças…
Lindo e emocionante o seu post. Parabéns!
Um beijo
Jussara quero te desejar uma linda quinta-feira.
Beijinho pesado de carinho!
lorena Viana.
Boa noite Jussara,a coruja é de E.V.A sim…com poucas pinceladas de tinta para a sombra.Um beijo…Lili.
Meninas queridas,
para quem trabalha com palavras não há elogio maior que dizer que um texto provocou emoção. Para que escrever se não for para tirar de dentro de nós e de quem nos lê a emoção mais pura?
Obrigada pela companhia. É sempre muito bom tê-las aqui!
Olá Jussara, tudo bem?
Obrigada pelo carinho….
E eu gostaria de falar que sua história me emocionou muito mesmo.
Só tenho que te dar os parabéns, pois você soube colocar cada palavra no lugar certo e na hora certa, e que você não só digitou com as mãos, mas também deixou sua alma e seu coração expressar esta história.
obs:
Quero até pedir desculpa, pois sou péssima em português, mas acho que da para entender o que eu te escrevi.
BJS no coração…!!!
Ju, querida!
Linda história e tão bem contada. Uns brincos… que são um tesouro em sua vida. Além da beleza física carregam todo o sentimento e amor da vocó querida. Jussara, ao te ler tenho a impressão de estar lendo um romace. Sua escrita é impecável. Adoro!
Beijo no coração
Oi Ju, o filhote tem 11 anos e não escapou de suas raízes, sou italiana e adoro cozinhar assim como meu marido mineiro, então já viu neh, temos ótimos momentos juntos na cozinha!
Tem sorteio no blog e quero convidá-la a participar.
bjs e um ótimo fds
Como são lindas as historias verdadeiras,qdo bem contada,chego a imaginar todo um cenário,rostos!!!
Parabéns estou emocionada!!
Abraço^^
Oi, Ju,
É interessante como pequenos objetos – as jóias principalmente -carregam uma parte da essência do seus donos, não é verdade?
Acho que o valor delas se deve a isso, sobretudo, rsrs.
Gostei destas suas memórias e – como sempre – também do texto, rsrs.
Ah, Ju, eu finalmente mencionei o selinho que recebi de você naquele post dos brigadeiros de maracujá, você viu? Desculpe-me por ter feito aquela pequena restrição aos selinhos, só o fiz porque tive uma experiência negativa com um. E não apenas eu, mas também a blogueira que o repassou a mim, pois ambas tivemos os nossos blogs infectados por um vírus, que havia sido introduzido no código de identificação da imagem, dá para acreditar?
Um beijo, boa tarde e bom finzinho de semana, querida!
Ju, que história linda! Obrigada por compartilhar com a gente. E que jeito bom de ler isso… você escreve de um jeito que prende!
Bjinhos!
OLÁ, JUSSARA!! SEJA MUITO BEM-VINDA À "GAM DOLLS". FICO MUITO FELIZ EM TÊ-LA COMO MINHA SEGUIDORA. QUE MENINA MAIS IMPORTANTE, UAI!! ADORO NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA TAMBÉM. JÁ PARTICIPEI DE VÁRIOS CONCURSOS LITERÁRIOS EM MEU MUNICÍPIO E REGIÃO. TENHO TROFÉUS QUE CONQUISTEI NA CATEGORIA LITERATURA, ONDE ME DESTAQUEI EM CRÔNICAS, POEMAS OU POESIAS. ASSIM COMO VOCÊ, TAMBÉM SOU MINEIRA. TENHO MUITO ORGULHO DE NOSSO ESTADO APESAR DE NÃO RESIDIR NELE HÁ MAIS DE 28 ANOS… PORÉM, MESMO TENDO SE PASSADO TANTOS ANOS, MEU SOTAQUE EU NÃO PERDI! ADOREI SEU BLOG. É BONITO, INFORMATIVO, LITERÁRIO E MINEIRÍSSIMO, UAI!! UM GRANDE ABRAÇO À VOCÊ E TAMBÉM VOU SER SUA SEGUIDORA. DENTRO EM BREVE, ENVIAREI UM SELINHO EXCLUSIVO PARA O SEU BLOG. PODE ESPERAR!! ATÉ BREVE, CONTERRÂNEA E, PARABÉNS PELO LINDO BLOG!
Você me fez chorar… lembrei de minha "vó pequena", que já a muito tempo foi para Deus… penso que o mais importante que temos na vida são os momentos que vivemos com os nosso amados…
beijos!
Rô Garbuio
Ai Jussara que lindo. Vc tem o poder de nos remeter pra dentro da história que nos conta. Acho que até visualizei sua avó… me pareço muito com vcs, não tenho muito interesse para além das minhas paredes. Embora claro, saia pra resolver assuntos que necessitem da minha presença física. Mas, se pudesse até batatas compraria pela Internet, rs. Tenho um anel que tbem herdei da minha avó…e como ela se chamava Avelina e eu Ana Lucia, o anel com a letra A carrego em meu dedo com muito orgulho, bjs.
Como eu já comentei em outros posts seus, a história de um objeto vale muito mais que o valor material. Sabe o que faltou no post? Uma foto sua com os brincos. Pense nisso.
Bjos
Linda história.
Brigadinha pela visita Ju e sim dá uma alegria quando vemos nosso trabalho pronto.Eu por exemplo fico bestinha e não paro de olhar.rsrs
Bjinho pra ti.
Acho eu que o valor intrínseco do mimo que se recebe é o fato de poder passá-lo para outra geração e para outra e para outra…. Assim se perpetuam as lembranças.
Meninas e menino – rs.
Obrigada, de coração, por se emocionarem comigo, por apreciarem meu texto e me fazerem companhia.
É bom demais tê-los aqui!
Jussara,
Você teceu com doce lirismo mais um belo texto – mais um belo poema, eu diria, povoado pelas vozes presentes em sua exuberante memória.
Encantou-me, sobremaneira, sua "reflexão" ao espelho:"sou mesmo esta mistura de gente que se amou no passado". De repente,ao lê-la, senti uma dor profunda.(Ai de minhas lágrimas se elas não tivessem lido isso!)
Como você vê, as lembranças tatuam nossa alma; deitam em sua imensidão cores,cheiros,gostos, sons e gestos; marcando-a de modo indelével pela vida afora.
Um abraço grande como a próxima aurora!
Obrigada, Roberto, por agregar sua poesia ao meu texto!
Grande abraço!
Tenho também uma relíquia desse gênero,um relógio de bolso que pertenceu a meu pai e deixarei aos meus filhos. É foleado, mas a corrente é de ouro.Porém o valor maior que considero é a história que ele encerra e por isso o guardo com muito carinho. Abraços.
Exatamente, João Antônio. É bem isso que sinto a respeito dos brincos. Obrigada por sua leitura. Sempre bom tê-lo aqui!
Lindo texto!! Luísa vai amar o par daqui uns anos… <3
Obrigada, Bianca!
Também espero que a Luísa – que ainda nem temos e já amamos – realmente goste dos brincos que algum dia irá herdar…
Muito bom tê-la aqui! 🙂