SOBRE MONTANHAS E ESTRELAS – BREVE ESTUDO DO POEMA “CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO”, DE CECÍLIA MEIRELES

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Volto a falar de montanhas. Não há como evitar. Abro de manhã as janelas e elas lá estão, eternamente à espera, numa entrega silenciosa e dócil ao que há de vir.
Certa vez, ao folhear uma revista, tropecei em parte do verso de Drummond: “‘No meio do caminho tinha’… uma montanha”! Era uma reportagem sobre as modificações que a extração de minério de ferro na região de Itabira, cidade natal do poeta, imprimia à paisagem local. Uma fotografia mostrava uma casinha mineira com uma senhorinha à janela e uma montanha ao fundo; outra imagem mostrava a mesma casa, a mesma senhorinha e, ao fundo, um vazio: a montanha desaparecida pela ação de homens e máquinas na cobiça de extrair o minério; a montanha transformada em hematita.
Aparentemente imutáveis, há séculos as montanhas se dobram ao querer humano: minha cidade foi construída em cima de uma, muitas outras cidades mineiras – e não só – também. Por isso falei em docilidade e entrega. Por isso e porque lá no fundo tenho certo medo dos loteamentos que andam a avançar feito uma aranha pelos cantos menos prováveis. Não quero abrir as janelas e não avistar as montanhas de onde vem a chuva, para onde caminha o sol no seu curso, para onde voam as garças ao entardecer.
Num belo poema intitulado “Canção da tarde no campo”, Cecília Meireles fala de uma solitária caminhada entre “flores, palmeiras”, a partir de um lugar de onde se avista a “serra azul”. Esta imagem sugere, pela cor atribuída à serra, a distância em que essa se encontra em relação à figura feminina no momento em que empreende seu passeio pelo campo.
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Tal caminhada, entretanto, envolve um deslocamento no espaço e no tempo, razão para que se modifique a paisagem e o tempo – que passa.
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“Eu ando sozinha/ no meio do vale./ Mas a tarde é minha”, diz a mulher que enuncia os versos, marcando, assim, o lugar e o horário do passeio. Nas estrofes seguintes, porém, menciona o fato de pisar a terra, andar sobre pedras, por dentro de bosques e, finalmente, a circunstância de subir e descer montes num momento em que já a tarde se converte em noite, o que sugere que pode ter alcançado a serra avistada ao longe no princípio da caminhada.
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Apesar da solidão e das dificuldades encontradas ao longo do percurso, em cada trecho dele a figura feminina recolhe um mimo precioso: a tarde, a flor, a fonte e o que recebe da noite – a estrela: “Eu ando sozinha/ ao longo da noite./ Mas a estrela é minha”.
Caminhar em direção às montanhas quando a solidão é imensa e o próprio peito, “puro deserto”, é de certa forma buscar a proteção que elas representam em razão de sua aparente fortaleza e imutabilidade. Caminhar em direção a elas quando cai à noite é procurar refúgio em meio ao indeterminado, ao vazio.
Entretanto, além do abrigo que as montanhas representam, a solitária mulher conta ainda com a estrela que afirma possuir. Símbolo do espírito, a estrela representa, por sua vez, a possibilidade de vencer a escuridão enquanto se aguarda o dia – novo espaço e novo tempo de vida e luz:
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Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.
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Eu ando sozinha,
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.
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Beijo&Carinho,
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Crédito da imagem em destaque, aqui.
Outras imagens, Google Imagens.
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MAIS PUBLICAÇÕES

Respostas de 17

  1. Oi Jussara,
    Cheguei aqui por meio da dica q vi no blog da Fê Mello. Vc mora em BH? Eu tb. Sou apaixonada pelas montanhas mineiras. Infelizmente da janela do meu quarto só vejo prédios rs. Coisa gostosa q é MG.
    Bjos,
    Paulinha

  2. As montanhas de Minas, realmente, são lindas e o quê mais me encanta é a nuança do verde. (Principalmente as que contornam a estrada entre Andradas e Machado!)

  3. J. ,
    por um comentário que deixaste no blog da Viviane Pontes, Decoueração, cheguei às suas montanhas. Adorei o texto, linda profissão.
    O desvendar das letrinhas é fascínio total.
    Para ti um anoitecer de deixar nó na garganta…
    fraternalmente,
    S.O.
    Rio

  4. Paula, não moro em BH, embora ame a cidade! Moro em Machado, no sul de Minas. De vez em quando sinto falta de me ver rodeada de prédios… dou uma fugida e a saudade das montanhas me traz de volta… Adorei sua visita. Volte mais vezes! Abraço!

  5. Olá, Cristina, a variedade de verdes nas montanhas sempre me encantou… um dia perguntei ao meu pai que verde bonito era aquele… e ele disse que era uma plantação de batatas. Descobri, então, que as plantações de batatas deixam o verde mais charmoso aqui e ali… rs
    Abraço!

  6. Olá, Silvia O., mas que coisa boa que um comentário meu a tenha trazido até as minhas montanhas! Que bom que gostou do meu texto! Quando o elogiam fico toda boba! Volte sempre, sempre será bem-vinda e poderemos seguir a prosear… rs
    Creio que tive um anoitecer como o que me desejou… rs
    Abraço!

  7. Querida Jussara, nem me fale dessas montanhas. Nos últimos anos qdo vou a BH meu coração se fecha qdo vejo como as belas montanhas de Minas estão sendo destruídas. Me sinto tão mal que eu fecho os olhos e deixo de apreciar uma paisagem que por anos fez parte de minha vida, viajando sempre de BH a Lavras.

    ps.: você tem toda razão em vidros reciclados o único tipo de velas (jamais lâmpadas) que deveriam ser usadas são aquelas redondinhas, pequeninhas.

  8. Ah Ju (olha a intimidade, rsrs)
    As montanhas são mesmo lindas, mas aqui em Sampa estão cada vez mais raras. Moro perto do Horto Florestal, Serra da Cantareira e daqui podemos avistar os homens como "aranhas" mesmo, se infiltrando em cada cantinho… tenho medo, pois sei que as consequencias serão desastrosas lá adiante…

    Adoro vir aqui e aprender um pouco dos nossos escritores. Minha meta esse ano é ler todos eles…, lá li Cora Coralina, vamos aos próximos, rssr

    Bjus 1000 querida

  9. Não sei se é coisa de poeta, mas as montanhas sempre me encantaram. Quando ia a Machado tinha o prazer de escolher o caminho. A maioria das vezes saia de Sampa pela Fenão Dias e entrava por Pouso Alegre e pegava a estradinha para Machado. Dava gosto ver os mais variados tons de verde daquelas montanhas. Me detinha no capim gordura que margeiava a estrada dando um tom rosa ao campo. Outras vezes, ia pela Bandeirantes e entrava por Mogi-Guaçu, Espiríto Santo do Pinhal, ganhava Andradas e Poços e entrava por trás de Machado. Aquela estrada que vai ali pela serra de Campestre é linda. Tem todo tipo de montanha e paredão. Outras, ainda, ia por São João da Boa Vista e Águas da Prata (serra linda e perigosa)passando tb por Poços e alcançando Machado. Lembro que nesta entrada tinha um enorme guapuruvu que mais tarde foi derrubado para dar contornos melhor ao trevo…. Uma pena. Recolhi dezenas de sementes e cheguei até a ter uma muda de guapuruvu por um bom tempo num vaso. Depois que foi plantando em terra firme, morreu o coitado. Estranhou a terra. Pelo estado de SP tem várias estradinhas que cortam o interior e são cheias de montanhas. Vez ou outra registro em fotos. Como eu falei, adoro montanhas também.

  10. Regina, vc não acha que as montanhas mineiras deveriam ser consideradas patrimônios do Estado e se tornarem intocáveis para a destruição? Eu voto!
    Obrigada, querida, por responder à minha dúvida sobre a linda luminária.
    Abraço!

  11. Olá, Dory! Que bom que gostou do blog e o achou "lindo, claro, interessante"! Fico super feliz com isso e toda vaidosa! =)Não tenho twitter, mas vou tentar descobrir se seu nome é um link para algum blog… ou esperar sua visita uma vez mais para continuarmos a prosear.
    Obrigada pela oferta super bem-vinda de amizade!
    Abraço!

  12. Pepa, adorei que vc tenha gostado da metáfora das aranhas… rs
    Que bom que tenha lido Cora Coralina! E que tenha uma meta tão do bem como ler os poetas todos! Alegra-me também imaginar que de algum modo meu bloguito ajude nesse propósito!
    Abraço!

  13. Sidnei, fico feliz por saber que as montanhas também o encantam! E que vc vinha a Machado não apenas pela Fernão Dias a fim de variar a paisagem! De fato as montanhas no caminho de Poços são encantadoras, há aquela imensa pedra perto de Campestre e aqueles paredões margeando a estrada… mas o caminho é bem mais longo em relação ao que se faz pela Fernão. Outra coisa encantadora que você mencionou e que sempre encheu meu coração de alegria é o capim-gordura. Meu pai costumava dizer que terra em que nasce capim-gordura não é boa para plantar nada. Eu sempre pensei que para mim isso não fazia (e nem faz) a menor diferença – não tenho terra mesmo… rs… e a beleza rosada e gratuita que o capim coloca nos barrancos… talvez só quem seja poeta saiba entender. Obrigada pelo lindo comentário!
    Abraço e bom domingo pra vc!

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