TUDOR, C. J. O homem de giz. Tradução de Alexandre Raposo.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018, 272p.
Nenhuma sinopse que eu possa ter lido na internet sobre O homem de giz, da inglesa C. J. Tudor, me preparou para o livro físico, quando o recebi pelo correio: capa dura preta, assim como as páginas que iniciam os capítulos que alternam dois espaços de tempo: 1986 e 2016. Pretas também as bordas do livro, o que é bem interessante para evitar manchas de contato com os dedos. A lombada é cheia de bonecos-palitos brancos, os homens de giz da história. Para quem esperava uma brochura, a edição da Intrínseca (2018) surpreendeu positivamente. Achei um luxo e muito apropriada para presentear alguém que, como eu, gosta de thrillers.
Se você, quando adolescente, curtia aquelas histórias de clubes de colegas de escola que se metiam em toda sorte de aventuras (alguma coisa semelhante à atual série de televisão, Stranger Things) é bem possível que goste também deste primeiro romance de Tudor, pois a história gira em torno de um grupo de amigos (quatro meninos e uma menina), em torno dos 12 anos, que por várias razões não se enquadram nos grupos de alunos populares e juntos pedalam suas bicicletas pela vizinhança pacata, de cidade interiorana, marcada por uma forte atmosfera religiosa, enfrentam valentões e se envolvem em alguns eventos sinistros, aos quais se relacionam as figurinhas desenhadas de homens de giz que o grupo usava como senha para se comunicar.
A história é narrada por Eddie Adams nos dois espaços de tempo. Trinta anos depois dos eventos vivenciados pelo grupo de amigos, Eddie é professor, solteirão, abusa um pouco da bebida e precisa, como diria o “defunto-autor” de Memórias póstumas de Brás Cubas, “unir as duas pontas da vida” a fim de, definitivamente, poder seguir adiante, em paz com as memórias do passado.
Um acidente macabro ocorre logo nas páginas iniciais do livro e, mais adiante, um cadáver decepado é encontrado. Mais tarde, quando já são adultos os integrantes do grupo, um deles retorna à cidade dizendo saber quem havia matado a moça que, quando adolescentes, encontraram degolada. Eddie é obrigado, então, a revisitar esses fantasmas, ainda que tenha passado a vida a tentar evitá-los.
As consequências de nossos atos, por mais insignificantes que sejam, reverberam no futuro, de formas totalmente inesperadas. É o que Eddie irá perceber à medida em que, peça por peça, unindo memórias do passado e vivências presentes, vai montando o quebra-cabeça que, solucionado, lhe permitirá seguir a vida. Esse desdobramento pode ser previsível em parte, mas alguns detalhes certamente surpreenderão o leitor que acompanhar as memórias e descobertas do narrador.
A autora demonstra certa preocupação em criar personagens ambíguos, aproximando-os da realidade, e o faz com delicadeza de palavras e imagens, numa linguagem fluida e acessível. Não há grandes reviravoltas na história e alguns personagens, como a menina do grupo, decepcionam ao não contribuírem de forma efetiva para a evolução do drama que, como leitores, acompanhamos. Contudo, leitora de Stephen King e James Herbert desde muito cedo, C. J. Tudor consegue criar uma atmosfera sombria em O homem de giz. O aparato físico do livro é uma forma de explicitar isso.
Embora não se trate de um suspense macabro, que deixe o leitor com medo dos corredores de sua própria casa, nem contenha sequências de tirar o fôlego, não há como abandonar o livro depois de iniciada a leitura. Eu o li em um final de semana e estou certa de que você também irá apreciar a história. De preferência, antes que se transforme em filme. Afinal, não é qualquer livro que é recomendado pelo mestre Stephen King…
Detalhe da quarta capa
C. J. Tudor nasceu em Salisbury e cresceu em Nottingham, Inglaterra, onde ainda mora com a família. Seu amor pela escrita, especialmente pelo estilo sombrio e macabro, surgiu logo cedo, levando-a à leitura de autores de suspense enquanto seus colegas liam Judy Blume. Ao longo dos anos, atuou em várias funções, como repórter, redatora, roteirista para rádio, apresentadora de televisão, dubladora, passeadora de cães e, agora, escritora. O homem de giz é seu romance de estreia.
Beijo&Carinho,