O primeiro grau da poesia lírica, segundo Fernando Pessoa, é aquele em que o poeta, concentrado em seu sentimento, escreve sobre esse sentimento. Quanto mais fiel for o poeta às nuances desse sentimento, entretanto, mais referencial será sua linguagem e, consequentemente, menos poética. Por outro lado, quanto mais o poeta trabalhar sua linguagem através do ritmo, da rima, da métrica, de imagens e sinestesias, mais distanciada ela ficará da linguagem comum e mais poética terá se tornado.
A opção pela valorização do sentimento ou pelo cuidado com a linguagem é que irá determinar o valor (ou não) de seus versos.
A reunião dos poemas em forma de livro vem como resultado desse trabalho quase infinito de construção/reconstrução e os escritores todos concordam que publicar é um meio de se livrar daquilo que foi escrito, de não precisar nunca mais (nunca mais??????) reescrever aquilo.
Ao poeta, depois de publicados seus versos, “resta a vida e o que nela há”, como digo num poema da página 61 do Breve Lua, meu mais recente livro de poesias. Nesse soneto, que chamei de “Não virá talvez nunca”, digo nas estrofes finais:
então, o grande amor
veio nem virá.
encherão de sol e lua
abrirá a breve flor.
a vida se fará
estarei nua.
A imagem da nudez, presente no último verso, além de necessária ao organismo do poema por causa da rima (“nua” rima com “lua”), tem também o sentido de estar o eu-lírico (a voz que fala nos versos) desarmado em relação ao futuro e, simultaneamente, aberto às novas emoções que virão e que podem (ou não) se tornar futuros poemas.
Assim, quando o poeta chega a publicar seus versos, está de certa forma livrando-se deles e da necessidade de eternamente reconstruí-los, mas ao mesmo tempo garantindo-lhes a possibilidade de se enriquecerem com as leituras que a propósito deles serão feitas no tempo dessa publicação e muito tempo mais tarde, quando o próprio poeta já tiver partido deste mundo.
Respostas de 14
Interessante este post. Alguns poemas são mais simples, outros mais complexos, mas independente da complexidade, são profundos. Aquele que lê precisa refletir para entender. ler é muito importante, mas infelizmente tá se tornando um hábito raro hoje em dia.
Oi, Cícera! Acho até que apesar da tecnologia as pessoas estão até lendo bastante. A questão me parece ser justamente essa da reflexão e da profundidade. Parece que só o que é superficial tem chamado atenção :/
Bom dia, querida Jussara!
Gostei muito do seu post… Hoje em dia, a licença poética nos favore muitíssimo ao expresssarmos nossos sentimentos poeticamente…
Bjm muito fraterno
É verdade, Rosélia. Contar com a licença é maravilhoso, mas é preciso não se descuidar do ritmo, da poeticidade… o que me parece vir acontecendo com frequência…
Abraço!
Ju, querida, bom dia,
A gente sempre pensa que a obra é tanto mais poética, quanto mais ela expressa os puros sentimentos… ledo engano, rsrs. Ao fim e ao cabo, como tudo na vida, aliás, é o esforço, a persistência e o enquadramento do texto dentro dos parâmetros que o definem, que o faz realmente poético. O novo livro pareceu-me ainda mais maduro e instigante que o anterior. E eis mais um post impecável e muito elucidativo, parabéns!
Um beijo
"Como tudo na vida". Disseste muito bem, Marly!
Obrigada, querida!
Abraço!
Boa tarde, cara Jussara!
Belo texto, sábias palavras. Hoje em dia, há muitas rimas mas sem conteúdo nem nexo. Muito escrevem só pra verem as palavras no papel…
Ei, moça!
Postei duas novas bonecas restauradas, lá em "GAM Dolls (2)". Quando puder, passe por lá e confira.
Ficarei feliz com tua visitinha e comentário, sempre tão gentis.
Tenha uma linda sexta e um fim de semana supimpa.
Abraço pra você! 🙂
É o que mais se vê, Gam!
Vou sim…
Abraço!
Gostei muito de sua postagem e vou me aprofundar mais, tenho muita dificuldade em trabalhar a linguagem para torná-la mais poética, gostaria muito de aprender.
Parabéns pelo livro Breve Lua, sucesso!
Gratidão, Jussara, feliz final de semana, abraços carinhosos
Maria Teresa
O caminho é ler bons poetas, Maria Teresa: Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Drummond de Andrade, Bilac, Castro Alves, Camões, Fernando Pessoa…
Obrigada!
Abraço!
Interessante suas posições e analises como reflexão sobre a arte da poesia neste libertar-se e reconstruir.
Uma bela apresentação da qualidade de conteúdo de seu livro.
Vou seguir os links.
Meu abraço com carinho.
Obrigada, Toninho.
Espero que curta o conteúdo dos links…
Abraço!
No fundo, uma viagem (a vida) por etapas, em que cada poema significa um libertar de escolhos, num sem fim de procuras, buscas, em que o sol, ocasionalmente, espreita por entre os pinheiros…
(O que estará para lá do sol?)
Gosto muito de a ler, Jussara.
Deixo-lhe um abraço 🙂
Obrigada, AC! Até seu comentário é poético… se o que escrevo lhe agrada, sinto-me lisonjeada. Abraço!