O QUE SIGNIFICA “NEMEZZZ”?

O que significa “nemezzz”? Essa a dúvida que fez o garoto aportar entre as minas reunidas cá neste blog. Não foi o primeiro. Vez por outra recebo por e-mail mensagens que trazem perguntas sobre o que significa em Minas Gerais isto ou aquilo.

Se todas as regiões, em qualquer canto do mundo, possuem seus falares característicos, o que surpreende as pessoas em relação ao linguajar mineiro talvez seja a quantidade de palavras que, adaptadas ao dia a dia do falante, distanciam-se da língua oficial do país a ponto de ganharem estatuto de vocabulário.

 

.

Creio que ninguém mais desconhece que aqui em Minas “trem” é uma palavra que designa uma infinidade de objetos, qualquer um a que o falante queira se referir, não necessariamente ligados ao transporte sobre trilhos. Na estação, à espera do comboio, ao escutar o apito, o marido diz para a esposa: “Muié, pega ‘os trem’ que ‘a coisa’ vem vindo”.

Nota-se aqui que a palavra “trem” é utilizada para indicar a bagagem levada pelos viajantes, ao passo que o comboio, em si, é indicado como “coisa”. O vocábulo “mulher”, entretanto, mantém o mesmo sentido, embora foneticamente tenha sido modificado: “Muié”.

Parece ser esse o caso de grande parte do “vocabulário” utilizado nas Minas Gerais: uma palavra se funde à outra, ou se emprega numa forma abreviada que, falada com rapidez, soa como uma palavra esquisita ou desconhecida.

 

.

Assim, a palavra “nemezzz”, aqui em questão. Nemezzz seria a abreviação de toda uma frase interrogativa: “Não é mesmo?”. Os termos “não” e “é” fundidos em “né” (que eu uso tanto que até nem percebo mais) e “mesmo” transformado por uma apócope (supressão de um ou mais fonemas no final da palavra) em “mez”. O uso de mezzz (com z triplicado) é apenas uma forma de grafar o som assoviado e arrastado da palavra utilizada pelo falante (aqui no sul de Minas não é comum) que engole palavras, mestre em metaplasmos (alterações da Língua em virtude de seu uso efetivo/criativo) ao suprimir especialmente o finalzinho delas, gerando palavras tão “bonitim” (bonitinhas) que só vendo!

.

.

Já me disseram, em comentário aqui no blog, que isso é linguagem “errada”: “Sou mineiro e não falo assim”. Tudo bem, eu também não falo, mas é inegável que grande parte de Minas é rural e que muito mineiro, nascido e criado longe dos livros, assim se expressa no seu dia a dia.

Ao ler Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, o leitor acredita que o autor era um verdadeiro artista na criação de neologismos (palavras novas ou com novos sentidos). Era mesmo, mas boa parte do palavreado utilizado nessa obra magistral foi colhida pessoalmente pelo autor em viagens a cavalo pelo interior do Estado… embornal (“emborná”, diriam seus entrevistados) e bloquinho de notas à mão.

.

.

.

As imagens utilizadas neste post são obras do artista plástico José Rosário, mineiro que pinta paisagens e situações do dia a dia em Minas. É ele quem diz:
.
.
.
.
.
Para ver outras obras de José Rosário, clique aqui.
De Vocabulário e Dialeto mineiros falei aqui.
Para conhecer um extenso, mas sempre em construção, Dicionário de Minerês, visite o “Blog do Martins”, que tem um texto delicioso!
.
.
 
Beijo&Carinho,
.

MAIS PUBLICAÇÕES

Respostas de 16

  1. Gosto de ouvir o jeito de falar dos mineiros. Quando em férias, na Bahia, encontro muitos e esse "nemezzz " aparece sempre! Lindas imagens aqui escolhidas! bjs, tudo de bom,chica

  2. Mais uma aula sobre o falar do mineiro do interior, sobre a mineiridade. Legal, né mezzz… É errado e… certo também. Se a função da Língua é a comunicação, e se as pessoas que assim falam conseguem comunicar, cumpre-se a função. Nas grandes cidades, em certos lugares, também há falares que mais parecem dialetos. E como é deliciosa essa diversidade do falar. Acabei de ler um livro de contos da Florbela Espanca; os últimos que escreveu deliciaram-me, não só pelos temas e pela descrição que a autora faz dos personagens e da paisagem alentejana, mas também pelas palavras e jeito de falar dos personagens e da própria Florbela. Imagens e falares da minha infância me vieram à cabeça. Uma delícia! Abraços, Jussara.

  3. Amei a aula,Jussara. Gosto 'por demais' do linguajar de Minas. Uma nordestina que gosta imensamente do Mineirês, viu?
    obrigada pela visita ao meu cantinho. Seja sempre bem-vinda. E vou lá participar do sorteio, é claro.
    Bjs

  4. Jussara, amo o seu jeito de escrever e explicar as coisas ao mesmo tempo… uma delícia ler textos assim! Eu acho muito engraçado esse jeitinho mineiro de falar, mesmo muito mineiro negar que se fale assim… Abraço! Ah, eu "tô" participando do sorteio, não estou?! rsrsrs

  5. Pois némezzz! A-d-o-r-o o linguajar mineiro, infelizmente grande parte está se perdendo. Aqui no Ceará também há um linguajar característico. Moro aqui a 25 anos e levei metade desse tempo para sabe que "vááála", geralmente usada para expressar surpresa ou admiração, significa "Valha-me Deus Nossa Senhora". Bem abreviadin. Bjin

  6. Jussara pra mim o melhor sotaque.. E também partilho da utilização do "né" em quase todos os finais de frases.. E quando mais se encaminha para o interior, mais carregado o sotaque fica.. Sou extremamente lisonjeado de ter nascido e me criado na simplicidade e pacatez de Minas.. BjoO grande, e as imagens são lindas!!

    Att; Wesley Felício

  7. Jussara, excelente o seu post. Muito mais que uma aula de semântica/ fonética – se calhar era assim que essas aulas deveriam ser. O apontamento do "trem" é fabuloso.
    Aqui, é claro, existem também regionalismos, mas, dada a dimensão do país, são bem menos marcantes. Dizem que se pusermos um açoreano conversando com um alentejano/transmontano, eles não se entenderão.

    Você já leu Mia Couto?
    Aconselho vivamente, no caso, pelos neologismos.

    Adorei o seu Pin. Obrigada querida!

    Tenha um feliz domingo.
    Beijo da Nina

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress