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Há um poema visual de José Paulo Gonçalves a que preciso recorrer para novamente falar sobre montanhas. É meu terceiro post sobre o tema, razão para que depois de hoje eu deixe escoar um tempo antes de retomá-lo. Para facilitar a conversa, reproduzo-o abaixo:
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Em linguagem prosística, o texto diz o seguinte:
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Nasci para viver à beira-mar, porém um deus colocou-me entre as montanhas condenando-me a sentir vontade de transpô-las para sempre, embora meus olhos o façam diariamente, mesmo sabendo que nunca se parte definitivamente.
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Em prosa, a maior parte da mágica da visualidade poética se perde. O texto fica corriqueiro, como se fizesse parte de uma conversa desiludida e/ou banal.
Com os olhos no poema, entretanto, vemos um círculo quase completo. Este semicírculo – associado à informação de que “um deus” colocou o sujeito lírico “entre as montanhas” – pode ser entendido como a cadeia de montanhas onde nasceu o enunciador dos versos. Como seu desejo seria o de viver à beira-mar, o cerco de montanhas se oferece aos seus olhos como uma prisão que diariamente se deseja transpor. O curioso é que ele não o faz efetivamente, mas apenas com os olhos que se debruçam sobre a distância e a altura das montanhas, a sonhar com o mar além.
Nesta altura da leitura estamos a chegar ao fim do semicírculo que só não chega a se tornar um círculo perfeito porque a palavra “definitivamente” penetra pela abertura possível e começa a fazer o caminho de volta. Este “vão” no círculo é que garante que o sujeito lírico não está realmente “condenado” a viver entre montanhas, já que existe uma possibilidade real de transpô-las. Fosse o círculo perfeitamente fechado e estaria ele aprisionado entre as montanhas para sempre. Mas há o espaço em branco, o vazio que permite o escape, muito embora o sujeito lírico reconheça (“mesmo sabendo”) que “nunca se parte definitivamente”. Ao fazer esta última afirmação, já está o sujeito poético a voltar para a sua cadeia de montanhas, condenado ou não, incapaz de viver com/sem elas.
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Não é simplesmente bárbaro esse poema?
A leitura que você faz dele é semelhante à minha? Conte-me. Vou adorar saber!
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Beijo&Carinho,
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Crédito da imagem em destaque, aqui.
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Respostas de 10
Sou mineiro também.. de Caxambu.. cresci em Baependi… Amo Minas, e suas montanhas.
Hoje moro no Rio.. uni Montanha e Mar.. sempre vou a Minas… Amo…
Gostei mutio do seu Blog!
Bjus
JUSSARA , tudo que vc escreve, seu estilo solto, suave, puro, seu vocabulário rico e descontraído desliza sem afetação "NOS ENSINA
DELEITANDO",é um prazer imenso…
Só TENHO DE PARABENIZÀ-LA e DESEJAR-LHE
FORÇA , PAZ , e AMOR PARA CONTINUAR NOS ENRIQUECENDO….
AFETUOSO ABRAÇO
ZÉLIA
QUANTO AO POEMA CONCORDO PLENAMENTE COM VC E ACHEI BEM DIFÍCIL
Olá, William, que bom que gostou do blog! Ainda não tem um mês e tem sido uma escola diária para mim. Já estive em Caxambu e Baependi… Nossas Minas são cheias de recantos charmosos! Mas a união de montanha e mar que o Rio oferece… tudo de bom, não é? Abço!
Zélia,
seu comentário me deixou muito feliz!!! Eu gosto do meu texto, mas nunca procurei entender bem porque gosto dele. Sua explicação para isso me envaidece. Nossa… bom demais saber que pensa isso do que escrevo!
Ah!… que bom que concordou com a minha leitura do poema visual… Ninguém comentou nada a respeito… comecei a ficar tristinha achando que a postagem não tinha agradado…
Obrigada pelo seu carinho e amizade.
Abraço!
Jussara, como Raul Pompéia,o poema mostra um microcosmo em que o Eu vive seu drama e busca uma saída. O espaço aberto é a chance de escapar da prisão e mostrará, naturalmente,o céu aberto para planar e encantar-se com a liberdade.Tudo vai depender, ainda do seu desejo de sair, uma vez que um pequeno mundo, fechado, salva-nos de tudo; das incertezas, do medo, das angústias, mas impede-nos de ver o sol. Contradições in-apagáveis. Gostei demais do que você escreveu e, sem dúvida, a relação que faço proveio da sua visão. Não é preciso dizer-lhe da minha admiração por tudo que você faz. Beijos!!! OLGA
Obrigada, Olga, pelo comentário e pelo carinho. Tenho às vezes medo de não me fazer compreender. Como a linguagem escrita prescinde de sinais como gestos, expressão do olhar, etc., que normalmente uso muito, sempre fica-me a sensação de que algo poderia ter sido melhor explicado…
Abraço! Linda semana pra vc!
Oi, Ju!!
Gostei demais da análise do poema… Vejo nossas vidas da mesma forma: ansiamos a brisa, o cheiro, o frescor à beira-mar, mas tantas vezes, é nas montanhas que nos encontramos e vivemos. Ao mesmo tempo que a caminhada se mostra, por vezes, cansativa, e se faz necessário parar, respirar, recobrar o fôlego, as montanhas nos protegem, nos amparam. Basta-nos apenas confiar e seguir pelo que Deus dia a dia trilha à nossa frente.
Boa semana. Bjs…
Giselli,
seu comentário me lembrou aquele poema lindo da Cecília, "Canção da tarde no campo".
Trechinho:
De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.
Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.
"Ele" é a nossa estrela da manhã"… Obrigada pelo comentário. Volte sempreeeee
Fantástico Jú! Mas sem sua ajuda não teria esse olhar profundo não! hehehe.. concordo com o que as pessoas acima escreveram! Seu blog é muito legal, profundo, dá o que pensar, e seu jeito de falar é o complemento!
Bjinhos, flor!
Sarah,
que bom ter sua visita aqui. Bom também saber que a minha leitura do poema visual ajudou a sua! Lecionei por anos… mas o que gosto mesmo é de escrever. Fico feliz que tenha gostado do modo como escrevo e espero que vc volte sempre, viu?
Abraço!