Clarice Lispector, considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka, nasceu na Ucrânia, em dezembro de 1920, mas veio bebê para o Brasil, onde se naturalizou. Também em dezembro, no ano de 1977, faleceu no Rio de Janeiro, cidade onde viveu desde a adolescência.
As cenas retratadas em suas obras são simples e cotidianas, mas a trama psicológica em que se inserem as personagens desencadeiam o fluxo de consciência que caracteriza sua escrita que, por essa razão, rompe com o enredo factual.
O crítico Alfredo Bosi, autor da História concisa da Literatura Brasileira (2003), afirma que na gênese das histórias da autora a exacerbação do momento interior é tal que a própria subjetividade entra em crise, fazendo com que o espírito procure um novo equilíbrio, trazido pela “recuperação do objeto (…) na esfera da sua própria e irredutível realidade”, configurando, assim, um “salto do psicológico para o metafísico”.
Sobre essa busca de equilíbrio através da escrita, a própria autora se manifestou em A descoberta do mundo (1999) ao dizer que “escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocado”.
Uma vez que aqui costumamos pensar sobre arte/literatura/escrita, vale transcrever todo o trecho em que a autora reflete sobre o próprio fazer literário:
Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.
Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois nada o substitui. E é uma salvação.
Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Que pena que só sei escrever quando espontaneamente a “coisa” vem. Fico assim à mercê do tempo. E, entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar anos.
Que a reflexão de Clarice sobre o processo de escrita ilumine o seu próprio processo, leitor amigo, que também escreve e conhece de perto a tentativa de reproduzir o irreproduzível.
Sobre Clarice Lispector falei aqui ao comentar “A duvidosa autoria dos textos que circulam na internet”. E aqui, mencionando a estátua que a escritora ganhou no Rio de Janeiro.
Beijo&Carinho,
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Obs.: Crédito da imagem, aqui.