O BOM USO DA VÍRGULA

O que você escreve precisa fazer sentido de modo a levar seu leitor a compreender o que você quis transmitir.  Querer dizer não é o mesmo que dizer de fato. Por menor que seja seu texto, assim como uma resposta dissertativa numa prova, ele deve levar em conta que o leitor não sabe o que você pensa sobre o assunto e você deve conduzi-lo, palavra por palavra, à compreensão daquilo que você sabe e quer divulgar.

Ao escrever, você é o autor e deve pensar com cuidado em que palavras utilizar na construção de seu texto para – através dele – convencer seu leitor (ainda que ele seja apenas o professor que corrige a sua prova ou o patrão que lê seu relatório) de que o seu raciocínio está correto.

Essa habilidade de escrita não é inata. Por maior que seja o dom que se tem para escrever, o que realmente faz diferença na redação de uma pessoa é o quanto ela se dedicou a escrever cada dia melhor, ainda que não tenha nenhuma vocação para a escrita.

Como já afirmei aqui, é preciso muita leitura para ler e escrever com eficiência. É preciso, também, escrever com muita frequência para dominar cada vez melhor as sequências linguísticas e, assim, tornar seu texto fácil de ser lido e compreendido.

O exercício diário de leitura e escrita, indicado aqui, precisa ser levado a sério e se você ainda não começou a praticá-lo está perdendo seu tempo ao ler este texto. Você pode ler todos os manuais do mundo, que falam sobre redação e interpretação de texto, e ainda assim terá perdido seu tempo se não se dedicar a escrever um pouco sobre o que leu e compreendeu. É só com a prática diária de leitura e escrita que você alcançará a competência necessária para interpretar textos com eficiência e, simultaneamente, para conseguir se expressar por escrito de modo eficaz.

Não é porque eu domino determinado assunto que posso colocar de qualquer maneira as palavras no papel, seguindo o fluxo do meu pensamento. “O pensamento”, como diz uma música antiga, “parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar!”. Se eu registrar o que sei sobre determinado assunto seguindo apenas o meu pensamento sobre ele, posso misturar ideias e o resultado será desastroso. É preciso ter em mente que quem vai ler não domina o que eu estou escrevendo e por isso é preciso ir construindo o percurso de leitura que esse leitor fará.

Esse é, como já afirmei, um dos princípios que norteiam a busca pela coerência e coesão textuais.

A coerência é o casamento perfeito entre os fatos e ideias que se quer expressar e a expressão desses mesmos fatos através de relações bem construídas entre palavras, frases e parágrafos (a coesão), de tal modo que essa sequência linguística constitua um texto e não apenas um amontoado aleatório de frases ou palavras, conforme observa Koch (1997).

Ora, isto posto, chegamos a um novo ponto: a boa pontuação como fator de coerência e coesão para os textos. Pode parecer que não, mas esses pequenos sinais gráficos a que chamamos de vírgula, ponto, ponto e vírgula, dois pontos, ponto final, travessão (,.;:–) têm extrema importância na estrutura da frase. Tanta importância que me arrisco a fazer uma afirmativa audaciosa: se você aprender as regras sobre o uso da vírgula, que irei apresentar aqui (e olhe que nem são todas as regras, apenas aquelas ligadas ao uso mais frequente), será capaz de construir com acerto 90% das frases em que precisará utilizar esse sinal gráfico e, consequentemente, seu texto se tornará melhor.

A vírgula mal colocada prejudica enormemente uma redação, por ferir princípios importantíssimos de coerência e coesão que, conforme afirmei acima, são fundamentais para a clareza e fluidez do texto, para que o leitor realmente seja capaz de compreender o que lê.

Eu sei que lhe ensinaram que a vírgula é uma pausa ou descanso que se faz na frase, como se o leitor se cansasse, numa frase longa, e fosse, por isso, preciso parar para respirar um pouco. Sinto dizer, mas você aprendeu errado! Eu sei, porque também aprendi errado. Para dizer a verdade, nunca ninguém me ensinou a utilizar corretamente a vírgula. Eu aprendi lendo, observando, estudando, escrevendo. Você, em relação a mim, está em vantagem, pois este material aqui teria facilitado muito a minha vida e me tornado, há mais tempo, uma escritora melhor. Você já tem o material. Agora é com você: estudo e treino!

A vírgula é uma pequena pausa, sim, mas não deve ser usada apenas porque você acha que sua frase está ficando um pouco longa e, por isso, seu leitor pode ficar sem fôlego ao lê-la. Pense que você escreveu uma frase que será lida por duas pessoas diferentes: a primeira é um maratonista, cheio de fôlego, acostumado a correr 40 mil metros com facilidade; a segunda pessoa é um senhor idoso, com enfisema pulmonar, que faz uso regular do balão de oxigênio. Você não acha que cada um deles terá necessidade de fazer a tal pausa para descanso em momentos diferentes um do outro? É por essa razão que a vírgula não pode aparecer aleatoriamente em um texto, porque cada pessoa tem um fôlego diferente da outra, uma forma diferente de ler, uma lógica diferente de pensamento.  Construir frases com vírgulas aleatórias, que não seguem nenhuma regra, é o primeiro passo para construir textos incoerentes e sem sentido.

As frases abaixo, utilizadas pela ABI (Associação Brasileira de Imprensa) na comemoração dos seus 100 anos, demonstram a importância da vírgula por sua capacidade de alterar o sentido do texto:

 

SOBRE A VÍRGULA

 

Uma vírgula muda tudo.
ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.

 

 

 

REGRAS BÁSICAS PARA A UTILIZAÇÃO DA VÍRGULA

 

1. Usa-se a vírgula para separar elementos em sequência, que poderiam figurar em uma lista.

Observe a frase:

 

“Carne cerveja carvão grelha e amigos são os ingredientes necessários para um churrasco.”

 

Note que os elemento citados na frase poderiam compor uma lista. Os ingredientes necessários para um churrasco são:

  • Carne
  • Cerveja
  • Carvão
  • Grelha
  • Amigos

O fato de poderem figurar em uma lista, significa que, na frase original, precisam ser separados por vírgulas:

 

“Carne, cerveja, carvão, grelha e amigos são os ingredientes necessários para um churrasco.”

 

O “e” dispensa a vírgula, como se verifica na frase, devidamente pontuada. Entretanto, se o sujeito da frase após o “e” for diferente do sujeito que o antecedeu, a vírgula pode ser utilizada. Exemplo:

 

“O pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si.” (Salmo 84: 3)

 

Note que neste caso aparece vírgula antes do “e”, mas o sujeito que aparece após o “e” é “andorinha”, ao passo que o sujeito da frase anterior ao “e” é “pardal”.

Uma outra situação em que você pode, sem receio, utilizar a vírgula antes do “e” é quando ele aparece após uma pequena explicação dentro da frase, pois como veremos, logo abaixo, as explicações que interrompem a frase precisam aparecer entre vírgulas. Veja o exemplo, retirado aqui mesmo do meu texto:

 

“Eu sei que lhe ensinaram que a vírgula é uma pausa ou descanso que se faz na frase, como se o leitor se cansasse, numa frase longa, e fosse, por isso, preciso parar para respirar um pouco.”

 

Veja que o sentido da frase não precisa da explicação grifada, que só é utilizada para melhor entendimento. Sem a explicação, a frase seria: “… como se o leitor se cansasse e fosse, por isso, preciso respirar um pouco”. Note que sem a explicação não há nenhuma necessidade de colocar vírgula antes do “e”.

Se eu, por outro lado, houvesse usado a vírgula, estaria errada: “… como se o leitor se cansasse, e fosse, por isso, preciso respirar um pouco”.

Entende-se, portanto, que as vírgulas estão ali colocadas para destacarem a explicação (“numa frase longa”) e apenas por isso a vírgula pode aparecer antes do “e”.

 

Exemplo de mau emprego de vírgula. Ela corta, sem necessidade a frase. Não deveria ter sido empregada.

 

2. Orações independentes, que têm sentido fora do texto, devem ser separadas por vírgulas. Você pode identifica-las como um conjunto de ações:

 

“Picou o fumo, embrulhou o cigarro, riscou o fósforo, olhou para dentro de casa.”

 

As orações são independentes porque todas possuem verbos (os termos em itálico) e por isso possuem sentido mesmo fora do contexto. Se você for criar uma frase assim, lembre-se de colocar as orações entre vírgulas.

 

3. Explicações que interrompem a frase precisam ser separadas por vírgulas.

Exemplos:

 

“Machado, a cidade em que nasci, situa-se ao sul de Minas Gerais.”

 

Observe que o trecho entre vírgulas apenas explica algo a respeito da cidade, mas se você riscar essa explicação, a frase mantém seu sentido: Machado, a cidade em que nasci, situa-se ao sul de Minas Gerais.        

   

 “Fazia muito tempo, um tempo que ninguém contara, que a casa estava abandonada.”

 

Neste exemplo, também, note como a explicação pode ser retirada sem prejudicar o sentido da frase: Fazia muito tempo, um tempo que ninguém contara, que a casa estava abandonada.

 Assim, sempre que você for aumentar sua frase com uma explicação, lembre-se de coloca-la entre vírgulas.

Um último exemplo:

Na frase que utilizei acima, observe que o termo “também” aparece entre vírgulas:

 

“Neste exemplo, também, note como a explicação pode ser retirada sem prejudicar o sentido da frase.”

 

A palavra “também” foi utilizada para explicar melhor a frase, para fazer com que o leitor perceba que o exemplo está relacionado ao citado anteriormente, mas como explicação que é, pode ser retirada da frase sem prejudicar o sentido:

 

“Neste exemplo, também, note como a explicação pode ser retirada sem prejudicar o sentido da frase.”

 

Exemplo de texto sem coesão e sem coerência por falta de uso correto da vírgula. A expressão “no inventário” está explicando onde é que aparecem citados os 11 milhões de dona Marisa. Observe que se essa expressão for excluída, a frase continua tendo sentido, o que demonstra que ela deve aparecer entre vírgulas. Ou seja, faltou vírgula após a palavra inventário. Faltou vírgula, também, antes de “Natura”, que é um vocativo e que, como veremos abaixo, precisa, por isso, aparecer separado por vírgula.

 

4. Quando iniciam a frase, expressões que indicam tempo, lugar e modo devem vir seguidas por vírgulas:

Exemplos:

 

“Ano passado, um raio caiu sobre uma árvore da rua.” (Ano passado – expressão que indica tempo)

 

“No nordeste brasileiro, praticamente não há inverno.” (No nordeste brasileiro – expressão que indica lugar)

 

“Com frequência, ouve-se dizer que a educação brasileira vai mal.” (Com frequência – expressão que indica modo)

 

 

Na imagem acima, notamos a ausência da vírgula após a expressão indicadora de tempo (“quando o coração é sol”). O correto seria utilizar a vírgula depois de “sol”.

 

Se o que indica tempo, modo, lugar, etc., não for uma expressão, mas uma palavra apenas, então a vírgula é facultativa.

Exemplo:

 

“Antigamente estudávamos mais” OU “Antigamente, estudávamos mais”

 

“Antigamente” é a palavra utilizada para se referir ao tempo. Como se trata de uma palavra apenas, não de uma expressão, como nos exemplos anteriores, a vírgula é facultativa. Assim também nos casos de palavras que indiquem lugar e modo.

 

5. É preciso usar vírgula antes de conjunções adversativas (mas, porém, contudo, todavia…). Como as adversativas são conjunções que indicam oposição, usar vírgula antes de uma conjunção adversativa significa, na prática, que a vírgula deve separar ideias que se opõem.

Exemplos:

 

“Eu gostaria de ter viajado no verão, contudo fiquei retida por questões familiares.”

 

 Observe que as questões familiares se opõem à viagem pretendida para o verão. A palavra que indica a oposição é “contudo” e antes dela usa-se a vírgula. Assim, sempre que for redigir uma frase em que precise usar uma adversativa, coloque vírgula antes dela:

 

“A pesquisa tinha como objetivo analisar as condições do solo, entretanto, ao longo do desenvolvimento, passou a objetivar as condições climáticas.”

 

Considere a conjunção adversativa “entretanto”. Precedida de vírgula, introduz uma ideia que se opõe à anterior.

 

6. A vírgula deve ser usada antes de explicações iniciadas por “pois”, “porquanto”, “porque”, etc.

Exemplos:

“Não pensei que ela faltaria ao jantar, pois havia confirmado presença.”

“Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o problema da saúde no Brasil, porque é preciso que algo seja feito a respeito.”

 

As conjunções “pois” e “porque”, nas frases acima, introduzem frases explicativas e são, portanto, precedidas por vírgulas.

 

7. O vocativo sempre deve vir separado por vírgula (ou vírgulas, caso apareça no meio da frase).

Observe este exemplo, retirado do poema “Navio Negreiro”, de Castro Alves:

 

“Ó, mar, por que não apagas, com a esponja de tuas vagas, de teu manto esse borrão? Astros, noites, tempestades, rolai das imensidades, varrei os mares, Tufão!”

 

O vocativo é uma palavra usada para evocar, chamar, interpelar o interlocutor, de modo apelativo. Todas as palavras grifadas são vocativos. Note como o poeta chama o mar, os astros, as noites, as tempestades e Tufão, o deus da chuva. É como se o “Ó” usado no início dos versos fosse repetido em cada um dos outros vocativos: Ó, astros; ó, noites; ó, tempestades; ó, Tufão! Observe, também, que todos os vocativos estão separados uns dos outros por vírgulas, assim como das outras palavras dos versos.

Outros exemplos:

 

“Bom dia, Maria!” – Maria é o vocativo (ó, Maria!). Deve, portanto, ficar separado  do resto da frase por uma vírgula.

“Boa tarde, meus amigos.” (ó meus amigos!) – vocativo separado.

 

QUANDO NÃO USAR A VÍRGULA

 

A vírgula não deve separar o sujeito do seu predicado. Assim, não coloque vírgula antes de verbo:

 

“João recebe pagamentos semanais.  João, recebe pagamentos semanais.”           

 

É possível, contudo, utilizar a vírgula antes do verbo caso ela apareça separando uma explicação no meio da frase:

 

“Construir frases com vírgulas aleatórias, que não seguem nenhuma regra, é o primeiro passo para construir textos incoerentes e sem sentido.”

 

Veja que neste exemplo é possível usar a vírgula antes do verbo (“é”) porque essa vírgula está ajudando a fechar a explicação (“que não seguem nenhuma regra”). Isto deve servir para fazê-lo(a) perceber a importância de deixar entre vírgulas as explicações. Se estiver em dúvida sobre se usa ou não a vírgula, verifique se sem a frase entre vírgulas o texto faz sentido:

 

“Construir frases com vírgulas aleatórias é o primeiro passo para construir textos incoerentes e sem sentido”.

 

Percebe que mesmo retirando toda a explicação grifada a frase faz sentido? Isso significa que essa frase é apenas uma explicação para enriquecer o texto, melhorar o sentido, e deve aparecer entre vírgulas.

Esteja certo(a) de que colocando em prática essas regras você conseguirá melhorar – e muito – o seu texto.

 

 

Beijo&Carinho,

 

 

REFERÊNCIAS

CEGALLA, Domingos Paschoal. Sinais de pontuação. In: Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 31ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1989, p. 62-71.

KOCH, Ingedore Villaça. Texto e Coerência. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

KÖCHE, Vanilda Salton et al. Coerência Textual. In: Prática Textual. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015, p. 17-24.

__________. Coesão Textual. In: Prática Textual. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015, p. 26-30.

SOBRE A VÍRGULA. Associação Brasileira de Imprensa. Disponível em: < http://www.criacionismo.com.br/2010/06/100-anos-de-virgula.html>. Acesso em 31.03.2018.

 

Os créditos das imagens estão disponíveis no meu Pinterest.

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