Desse modo, de acordo com o escritor francês, a essência da paixão – que leva os seres a se fundirem – é a busca pela perdida completude e o erotismo é a manifestação dessa busca.
No soneto “Passeio ao Campo”, da portuguesa Florbela Espanca, a voz feminina que se eleva dos versos convida um interlocutor (“amor”, “amante”, “amigo”) para o passeio referido no título. Passear pelo campo, todavia, se revelará a oportunidade para o encontro erótico que pretende. Veja:
Na primeira estrofe, ao apresentar sua juventude e disposição, o eu-lírico (a voz feminina que fala no poema) começa a tentativa de sedução do amado, convidando-o a colher “a hora que passa”, no claro sentido de apelo ao aproveitamento do dia. Além disso, sugere que a hora será devidamente aproveitada se colhida ao seu lado (“bebe-a comigo”) e mesmo dentro de si (“bebe-a dentro de mim”).
A segunda quadra é utilizada para fazer um levantamento dos atributos físicos da mulher que convida o amado, de forma a atraí-lo para si. Após referir-se à sua cintura (“esbelta e fina”), ao bronzeado de sua pele (“pele doirada”) e à beleza de suas mãos – dignas de figurarem num quadro da renascença italiana (“frágeis mãos de madona florentina”) – reforça o apelo que já caracterizara a estrofe anterior: “– Vamos correr e rir por entre o trigo! –”.
A descrição da exuberante natureza, na estrofe seguinte, funciona como uma confirmação do convite já feito, pois a sua fertilidade (os montes estão floridos, maduros os trigais e as fontes cintilam) parece lembrar que o tempo é propício ao amor.
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Apesar da brevidade da leitura aqui apresentada, é possível, aproveitando a lição de Bataille, afirmar que o soneto de Florbela é um legítimo representante da literatura erótica, pois nele o eu-lírico executa diversos movimentos em direção ao outro, numa nítida busca pela completude.
Tal afirmação pode chocar quem considera que o erótico se manifesta de forma menos delicada que nos versos da poetisa portuguesa. Entretanto, insisto, isso é erotismo. No erótico o leitor acompanha os movimentos dos amantes (aqueles que se amam) em direção um ao outro para se fundirem e tentarem se completar. No pornográfico, por outro lado, o leitor é levado a experimentar as mesmas sensações vividas pelos seres ficcionais, a se inflamar com elas e a sentir o desejo e/ou a excitação indicados no texto.
A diferença não é nada sutil, mas ainda assim a confusão entre um conceito e outro costuma ser enorme, não é verdade?
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Beijo&Carinho,
Referências:
BATAILLE, Georges. O erotismo. Lisboa: Moraes, 1980.
A imagem em destaque é um detalhe da famosa tela “O beijo”, do pintor simbolista austríaco, Gustav Klimt. A outra imagem, “Mulher no campo”, é de autoria do artista plástico Márcio Camargo. Mais detalhes, aqui.
Sobre erotismo falei aqui, aqui e aqui.
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Respostas de 25
Olá Jussara
Fantático, vc mostrou de uma relativamente simples estas diferença. O mais interessante é que ainda hoje Kinho e Eu ouvíamos uma das palestras de Cortella e ele cita esta diferença. Parabéns Ju, adorei ler algo inteligente por aqui, obrigada!
Um ótimo domingo para vc…
AMIGA da MODA by Kinha
Lindamente explicado e é um lindo soneto.
Joana
Oi Jussara!
Um aula 🙂
Como já disse por aqui, adoro essa possibilidade de aprendizado nos blogs.
🙂
bjs, ótimo início de semana.
Oi Jussara,
Eu adoro Florbela Espanca e não conhecia este poema. Adorei a análise que vc fez sobre ele. O poema em si me lembrou o Cântico dos Cânticos de Salomão, que tb é erótico.
Beijos 1000 e uma ótima semana para vc.
GOSTO DISTO!
Oi Jussara
O Soneto de florbela Espanca ficou ainda mais belo diante de sua magistral interpretação. Sensível e delicada como sempre em suas postagens.
Uma linda semana para você.
Beijos.
É… REALMENTE A MOÇOILA FEZ UMA BOA PROPAGANDA DE SI PRO RAPAZ. CHEGOU ATÉ A MENCIONAR A CINTURA DE PILÃO! AI, AI, AI…
A GENTE QUANDO ESCREVE VERSOS, SOLTA A IMAGINAÇÃO DE UMA MANEIRA, QUE CHEGA CAUSAR ESPANTO EM QUEM OS LER DEPOIS. E ISSO, É REALMENTE MUITO LEGAL. 🙂
ADOREI A POSTAGEM, COLEGA JUSSARA!
ABRAÇÃO PROCÊ E UMA LINDA NOVA SEMANA, UAI! 🙂
Lindos versos, capazes de nos levarem a imaginar a cena, os protagonistas, o ambiente e sentir toda a sensualidade que expressam.
Grande abraço!
sonia
Olá Jussara.
Obrigado pela visita. Achei muito interessante a sua explicação e muito bem escrita.
Beijinhos grandes.
Com certeza, bem sutil, se você não estivesse descrevendo e explicando eu não perceberia nenhum apelo erótico. Abraços. Sandra
Florbela Espanca já é um nome bonito e instigante, e seus poemas belos e profundos. Com a sua análise e as belas imagens que escolheu, o que era muito bom ficou ainda muito melhor.
Oi, Ju,
Este post não apareceu na lista de leituras do meu blogger! É verdade,
a diferença entre erótico e pornográfico é justamente esta, mas muita gente, por má fé, interesse ou ignorância confunde as duas coisas, rsrs.
Este post me lembrou que anos atrás (muitos!) quando eu estava na faculdade apareceu um filme japonês que causou frisson nos meio cinematográfico e acadêmico, um tal de O Império dos Sentidos, conhece? Este filme gerou muita polêmica e muitas discussões sobre se ele era erótico ou pornográfico. Eu o assisti e achei que, apesar de contar uma estória verídica, é pornográfico, rsrs.
Beijo e boa noite
Olá, Jussara! Lindo poema, mas sem a sua aula, seria somente isso…Com ela, virou um convite!
Bjnhos,Ana
nada sutil mesmo, amei tb as imagens!
ah, faz a pulseirinha sim e me manda foto, ou posta no blog..
http://meuemagrecimentoreal.blogspot.com.br
@Denniblog
Jú, achei muito interessante o post! Sobre o poema, se minha amiga doutora não tivesse destrinchado tudo, explicando cada parte, eu não perceberia o apelo erótico.. hehehe… (isso é por que a criatura é concurseira… misericórdia!) Tenho que prestar mais atenção nas coisas.. hehehe
Bjuu!
Uma maravilhosa análise comparativa, lias poesia desta autora portuguesa mas nunca levei para o lado erótico, sempre pensei no lado romântico, na verdade os dois andam junto o erotismo leva a paixão, é confuso. Mas super interessante teu post. A diferença que vejo entre os dois é que o erotismo leva a paixão e o pornográfico leva ao pecado carnal.
Bjos
Vc é uma ótima professora, realmente é difícil acharmos que é erótico um texto tão bonito, embora seja do ser humano o erotismo, temos como contempla-lo como sujo imoral!e não belo como o poema acima
bjs
Gélia
Oi adorei seu blog sou sua nova seguidora !sou a 381!!você podia me seguir de volta!! eu tenho um blog de moda todos os dias eu coloco um look diferente é divertido espero que vc goste obrigada…
Bjus
http://fashionbloggerandreiajakeline.blogspot.com.es
Oi Jussara, é a Vi,eu e minha ignorância andando de mãos dadas durante toda minha existência, sem saber discernir entre o erótico e o pornográfico..
Amei a explicação, agora já sei a diferença entre um e outro.
Muitos beijos,Vi
Olá Jussara,
Que lindo poema, ainda não conhecia Florbela e achei muito bonito o poema, mas como já disseram se não fosse sua aula, para mim seria apenas um poema romântico,com toda a delicadeza da literatura portuguesa que adoro.
super beijo
feliz 2013!!!
É verdade. No entanto, o erotismo é amigo íntimo do romantismo, e a pornografia é o desastre dos dois.
Acho que é isto…
Tenho muito a aprender com você, por isto estarei sempre aqui.
Até a vota…
Olá, passando para agradecer a visitar e te desejar um ótimo fim de semana. Tem uma promoção lá no blog Minha vida de campo.
Bjos
Foi claríssima na análise, Jussara. Como não concordar consigo?
(Florbela, amordaçada socialmente, era um mundo…!)
Abraço 🙂
Obrigada, AC, pela leitura e pelo comentário. Também concordo consigo no que diz respeito à Florbela ser um mundo 🙂
A Florbela é um encanto em seu erotismo. Adorei. Abraços.
Obrigada, João Antônio!